terça-feira, 25 de agosto de 2009

Abaixo do flamboyant



A velha camisa de linho, detalhada de delicados cortes tão femininos, estava já puída pelo sovar das mãos, que tantas vezes a tocaram. No gesto de sempre, recolho-a junto ao peito, e, meu suspiro pesaroso, deixa-me não esquecer o teu cheiro que exala ainda tão intenso desta veste. Declino-me aos pés do leito, refaço-me de lembranças outras que não sejam a dos teus olhos diante aos meus. Nessa minha angústia desmedida, nada mais consome esta alma do que recordar da tua despedida.

Naquele dia de inverno cinzento não só pelas nuvens, mas pelo ecoar de tua frieza aparente, tu ausentavas qualquer sorriso de tua face. Tu nada mais eras, naquele momento, do que um movimento de olhos atentos aos ponteiros do relógio da estação que indicava friamente o tempo tão desejado por ti. Extinguia-se qualquer palavra, abraçava-nos um silêncio maior, mesmo com tantos dizeres de adeus que ouvíamos de outros, aos quais inveja-me saber que, mesmo com lágrimas nos olhos, despediam-se dos que amavam, porque eram também amados nessa hora.

Tu me pediste pra que eu não fosse ter contigo, pois, não gostavas de despedidas. Não pude atender ao teu pedido, teimei, pois, acreditava em tua desistência, e, ainda restava-me ao peito um sopro de esperança que levou meus pés até a ti. Pedi então, antes que o trem chegasse, que deixasse junto à mim algo teu, pra que em minha existência eu a recordasse. Tu já tinhas o preparo. Retiraste uma caixa de papel reforçado, delicada, estampada de flores e envolta num laço azul de fita. Tuas palavras de oferta, como se desse uma esmola a um errante das ruas, ainda eram a mim, as mais doces.

Cada uma delas, ecoadas de teus lábios, fazia-me recompor a esperança de pedir-me nem que fosse um último abraço. Não foi o feito. Não houve abraços. Não houve beijo, ou, aperto de mão. Apenas, entregaste a caixa, dizendo-me que, o que restava de ti, que poderia ainda ser ofertado, estava ali, acomodado dentro de um envelope, no bolso de uma camisa. Não pude deixar de reverenciar ainda um brilho nos teus olhos, que não se fez lágrima, mas, ao meu coração, se fez presente como um fio de incerta decisão.

O trem aproxima-se, tu afastas-te de mim e mistura-se aos tantos que acenam o adeus costumeiro. Num ímpeto, lanço-me a multidão, e meus olhos aflitos tentam em vão buscar-te uma última vez. Não há êxito, tu já não estavas mais ali. Viro-me, dou de costas para quem tanto meu coração pedia. É a última chamada, todos já estão acomodados, ainda sim, deixo-me levar pelos sentimentos contidos e mais uma vez, tento buscar teus olhos. Tu estás a me olhar pela janela. Não vejo nenhum sorriso e nenhum gesto de mão, somente o reclinado de cabeça igual ao que fizestes quando decidiu ir embora da minha vida.

A dor corta-me de todos os lados, lágrimas contidas, afogam-me em meu regresso para casa. Preciso saber o que deixaste em minha vida para que de ti eu não esquecesse. O caminho de volta, nunca fora tão dolorido. Meus suspiros fazem até da alma um peso, não me reconheço, apenas sei que deixei ir aquela que aos meus olhos fez-se única. Carrego a culpa de tê-la perdido, carrego a dor de duvidado de um amor jamais sentido.

Abro a caixa, e vejo, ainda lembro-me desta camisa, era a mesma que vestias quando a vi pela primeira vez, sentada tão em paz, abaixo do flamboyant carregado de flores que se misturavam ao carmim de teus lábios. O cheiro era o mesmo daquelas flores. O gesto que tu fazias, era o mesmo que fizeste ao escrever estas linhas que agora, percorro os olhos ariscos, pra saber se a este pobre apaixonado, ainda resta-lhe algum vestígio do nosso amor. Pude então sorrir. Depois de tudo, pude sorrir. Tu me deixas, assim, escrito:

“Ainda que meus olhos não derramem mais nenhuma lágrima, minhas mãos não acenem pra que tu saibas das saudades que sentirei, ainda sim, meu coração flameja pelo teu amor, ainda sim, irei levar comigo a esperança de tê-lo novamente. A necessária dor de agora, será minha companheira, tentarei em vão esquecer-te por todos os dias que não estiver ao teu lado. Fiques com esta minha lembrança, pois só assim, sei que terei o teu abraço todos dias. Peço-te que não me esqueças, pois de ti, jamais esquecerei. Partirei te amando, mesmo com a alma ferida, é preciso. Eu volto. Amo-te”.

Ela me ama. O que me resta a não ser esperar abaixo do flamboyant?

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